ATUALIDADES PARA O ENEM – aula temática: movimento hip hop e sua relação com a sociedade urbana
Professor: Rafael Gama
O Islã dos manos
Islã cresce na periferia das cidades do Brasil. Jovens negros tornam-se ativistas islâmicos como resposta à desigualdade racial. O que pensam e o que querem os muçulmanos do gueto?
O ISLÃ NA LAJE
Carlos Soares Correia virou Honerê Al-Amin Oadq. Ele é um dos principais divulgadores muçulmanos do ABC paulista. Na foto, na periferia de São Bernardo do Campo, onde vive, reza e faz política
Cinco vezes ao dia, os olhos ultrapassam o concreto de ruas irregulares, carentes de esgoto e de cidadania, e buscam Meca, no outro lado do mundo. É longe e, para a maioria dos brasileiros, exótico. Para homens como Honerê, Malik e Sharif, é o mais perto que conseguiram chegar de si mesmos. Eles já foram Carlos, Paulo e Ridson. Converteram-se ao islã e forjaram uma nova identidade. São pobres, são negros e, agora, são muçulmanos. Quando buscam o coração islâmico do mundo com a mente, acreditam que o Alcorão é a resposta para o que definem como um projeto de extermínio da juventude afro-brasileira: nas mãos da polícia, na guerra do tráfico, na falta de acesso à educação e à saúde. Homens como eles têm divulgado o islã nas periferias do país, especialmente em São Paulo , como instrumento de transformação política. E preparam-se para levar a mensagem do profeta Maomé aos presos nas cadeias. Ao cravar a bandeira do islã no alto da laje, vislumbram um estado muçulmano no horizonte do Brasil. E, ao explicar sua escolha, repetem uma frase com o queixo contraído e o orgulho no olhar: "Um muçulmano só baixa a cabeça para Alá - e para mais ninguém".
Honerê, da periferia de São Bernardo do Campo, converteu Malik, da periferia de Francisco Morato, que converteu Sharif, da periferia de Taboão, que vem convertendo outros tantos. É assim que o islã cresce no anel periférico da Grande São Paulo. Os novos muçulmanos não são numerosos, mas sua presença é forte e cada vez mais constante. Nos eventos culturais ou políticos dos guetos, há sempre algumas takiahs cobrindo a cabeça de filhos do islã cheios de atitude. Há brancos, mas a maioria é negra. "O islã não cresce de baciada, mas com qualidade e com pessoas que sabem o que estão fazendo", diz o rapper Honerê Al-Amin Oadq, na carteira de identidade Carlos Soares Correia, de 31 anos. "Em cada quebrada, alguém me aborda: `Já ouvi falar de você e quero conhecer o islã´. É nossa postura que divulga a religião. O islã cresce pela consciência e pelo exemplo."
Em São Paulo, estima-se em centenas o número de brasileiros convertidos nas periferias nos últimos anos. No país, chegariam aos milhares. O número total de muçulmanos no Brasil é confuso. Pelo censo de 2000, haveria pouco mais de 27 mil adeptos. Pelas entidades islâmicas, o número varia entre 700 mil e 3 milhões. A diferença é um abismo que torna a presença do islã no Brasil uma incógnita. A verdade é que, até esta década, não havia interesse em estender uma lupa sobre uma religião que despertava mais atenção em novelas como O clone que no noticiário.
O muçulmano Feres Fares, divulgador fervoroso do islamismo, tem viajado pelo Brasil para fazer um levantamento das mesquitas e mussalas (espécie de capela). Ele apresenta dados impressionantes. Nos últimos oito anos, o número de locais de oração teria quase quadruplicado no país: de 32, em 2000, para 127, em 2008. Surgiram mesquitas até mesmo em Estados do Norte, como Amapá, Amazonas e Roraima.
Autor do livro Os muçulmanos no Brasil, o xeque iraquiano Ishan Mohammad Ali Kalandar afirma que, depois do 11 de setembro, aumentou muito o número de conversões. "Os brasileiros tomaram conhecimento da religião", diz. "E o islã sempre foi acolhido primeiro pelos mais pobres."
Na interpretação de Ali Hussein El Zoghbi, diretor da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil e conselheiro da União Nacional das Entidades Islâmicas, três fatores são fundamentais para entender o fenômeno: o cruzamento de ícones do islamismo com personalidades importantes da história do movimento negro, o acesso a informações instantâneas garantido pela internet e a melhoria na estrutura das entidades brasileiras. "Os filhos dos árabes que chegaram ao Brasil no pós-guerra reuniram mais condições e conhecimento. Isso permitiu nos últimos anos o aumento do proselitismo e uma aproximação maior com a cultura brasileira", afirma.
Eles trazem ao islã a atitude hip-hop e a formação política do movimento negro
A presença do islã na mídia desde a derrubada das torres gêmeas, reforçada pela invasão americana do Afeganistão e do Iraque, teria causado um duplo efeito. Por um lado, fortalecer a identidade muçulmana de descendentes de árabes afastados da religião, ao se sentir perseguidos e difamados. Por outro, atrair brasileiros sem ligações com o islamismo, mas com forte sentimento de marginalidade. Esse último fenômeno despertou a atenção da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, que citou no Relatório de Liberdade Religiosa de 2008: "As conversões ao islamismo aumentaram recentemente entre os cidadãos não-árabes".
Os jovens convertidos trazem ao islã a atitude do hip-hop e uma formação política forjada no movimento negro. Ao prostrar-se diante de Alá, acreditam voltar para casa depois de um longo exílio, pois as raízes do islã negro estão fincadas no Brasil escravocrata. E para aflorar no Brasil contemporâneo, percorreram um caminho intrincado. O novo islã negro foi influenciado pela luta dos direitos civis dos afro-americanos, nos anos 60 e, curiosamente, por Hollywood. Cruzou então com o hip-hop do metrô São Bento, em São Paulo , nos anos 80 e 90. E ganhou impulso no 11 de setembro de 2001.
ATIVISTAS O grupo de Malik (à esq.) e Sharif sonha com um estado islâmico no Brasil, quer construir uma comunidade muçulmana na periferia e levar a religião aos presos nas cadeias
Para contar essa história é preciso voltar a 1835, em Salvador, na Bahia, onde a revolta dos malês, liderada por negros muçulmanos, foi a rebelião de escravos urbanos mais importante da história do país. Pouco citada nos livros escolares, depois de um largo hiato ela chegou às periferias pela rima do rap. Lá, uniu-se ao legado do ativista americano Malcolm X, assimilado pela versão do filme de Spike Lee, de 1992. E ao 11 de setembro, que irrompeu na TV, mas foi colado às teorias conspiratórias que se alastram na internet.
É esse o islã que chega para os mais novos convertidos. E com maior força em São Paulo , porque a capital paulista foi o berço duro do hip-hop no Brasil - movimento histórico de afirmação de identidade da juventude negra e pobre. A tentacular periferia paulista é, como dizem os poetas marginais, a "senzala moderna". E cada novo convertido acredita ter dentro de si um pouco de malê. Não é à toa que Mano Brown, o mais importante rapper brasileiro, mesmo não sendo muçulmano, diz no rap "Mente de vilão": No princípio eram trevas, Malcolm foi Lampião/Lâmpada para os pés/Negros de 2010/Fãs de Mumia Abu-Jamal, Osama, Saddam, Al-Qaeda, Talibã, Iraque, Vietnã/Contra os boys, contra o GOE, contra a Ku-Klux-Klan.
"Fico assustado com a linguagem desses rappers, mas não tem mais jeito. Alastrou. Depois que o fogo pega no mato, vai embora. O islã caiu na boca da periferia. E não sabemos o que vai acontecer. É tudo por conta de Alá", diz Valter Gomes, de 62 anos. Ele parece mais encantado que temeroso. Nos anos 90, "advogou" diante das organizações do movimento negro do ABC paulista e dos guetos de São Paulo com grande veemência. Defendeu que a salvação para os afro-brasileiros era a religião anunciada por Maomé quase 15 séculos atrás: "Irmãos, vocês estão querendo lutar, mas não têm objetivo. Trago para vocês um objetivo e uma bandeira. O objetivo é o paraíso, a bandeira é o islã".
Essas palavras encontraram material inflamável no coração de alguns rappers, que há muito procuravam um caminho que unisse Deus e ideologia. Enquanto o islamismo soou como religião étnica, trazida ao Brasil pelos imigrantes árabes a partir da segunda metade do século XIX, não houve identificação. Mas, quando o movimento negro, e depois o rap, difundiu a revolta dos malês como uma inflexão de altivez numa história marcada pela submissão, a religião passou a ser vista como raiz a ser resgatada. Os jovens muçulmanos dizem que não se convertem, mas se "revertem" - ou voltam a ser. Para eles, a palavra tem duplo significado: recuperar uma identidade sequestrada pela escravidão e pertencer a uma tradição da qual é possível ter orgulho.
As igrejas evangélicas neopentecostais, que surgiram e se multiplicaram a partir dos anos 80, com grande penetração nas periferias e cadeias, não tinham apelo para jovens negros em busca de identidade e sem vocação para rebanho. "Na igreja evangélica da minha mãe, me incomodava aquela história de Cristo perdoar tudo. Eu já tinha apanhado de polícia pra cacete. E sempre pensava em polícia, porque o tapa na cara é literal. Então, o dia em que tiver uma necessidade de conflito, vou ter de virar o outro lado da cara?", diz Ridson Mariano da Paixão, de 25 anos. "Eu não estava nesse espírito passivo. Pelo Malcolm X, descobri que, no islã, temos o direito de nos defender. Deus repudia a violência e não permite o ataque, mas dá direito de defesa. Foi esse ponto fundamental que me pegou também quando eu vi pela TV o 11 de setembro e achei que o mundo ia acabar."
Exercícios
ENEM - Quatro olhos, quatro mãos e duas cabeças formam a dupla de "Osgemeos". Eles cresceram pintando muros do bairro Cambuci, em São Paulo, e agora têm suas obras expostas na conceituada Deitch Gallery em Nova Iorque, prova de que o grafite feito no Brasil é apreciado por outras culturas. Muitos lugares abandonados e sem manutenção pelas prefeituras das cidades tornam-se mais agradáveis e humanos com os grafites pintados nos muros. Atualmente, instituições públicas educativas recorrem ao grafite como forma de expressão artística, o que propicia a inclusão social de adolescentes carentes, demonstrando que o grafite é considerado uma categoria de arte aceita e reconhecida pelo campo da cultura e pela sociedade local e internacional.
Disponível em: http://www.flickr.com. Acesso em: 10 set. 2008 (adaptado).
a) grafite é o mesmo que pichação e suja a cidade, sendo diferente da obra dos artistas.
b)a populaçao das grandes metrópoles depara-se afim muitos problemas sociais, como os grafites e as pichações.
c) atualmente, a arte não pode ser usada para inclusão social, ao contrário do grafite.
d) os grafiteiros podem conseguir projeção internacional, demonstrando que a arte do do grafite não tem fronteiras culturais.
e) lugares abandonados e sem manutenção tornam-se ainda mais desagradáveis com a aplicação do grafite.
(Enem/2004) O movimento hip-hop é tão urbano quanto as grandes construções de concreto e as estações de metrô, e cada dia se torna mais presente nas grandes metrópoles mundiais. Nasceu na periferia dos bairros pobres de Nova Iorque. É formado por três elementos: a música (o rap), as artes plásticas (o grafite) e a dança (o break). No hip-hop os jovens usam as expressões artísticas como uma forma de resistência política. Enraizado nas camadas populares urbanas, o hip-hop afirmou-se no Brasil e no mundo
com um discurso político a favor dos excluídos, sobretudo dos negros. Apesar de ser um movimento originário das periferias norte-americanas, não encontrou barreiras no Brasil, onde se instalou com certa naturalidade o que, no entanto, não significa que o hip-hop brasileiro não tenha sofrido influências locais. O movimento no Brasil é híbrido: rap com um pouco de samba, break parecido com capoeira e grafite de cores muito vivas.
(Adaptado de Ciência e Cultura, 2004)
De acordo com o texto, o hip-hop é uma manifestação artística tipicamente urbana, que tem
como principais características:
(A) a ênfase nas artes visuais e a defesa do caráter nacionalista.
(B) a alienação política e a preocupação com o conflito de gerações.
(C) a afirmação dos socialmente excluídos e a combinação de linguagens.
(D) a integração de diferentes classes sociais e a exaltação do progresso.
(E) a valorização da natureza e o compromisso com os ideais norte-americanos.